Em uma recente reviravolta judicial, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tomou uma decisão que poderá redefinir as fronteiras entre trabalho autônomo e vínculo empregatício nas plataformas digitais.
Na disputa em questão, um entregador de alimentos associado à UberEats em São José dos Pinhais (PR) buscou o reconhecimento de seu status como empregado da Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Após a deliberação do TST, o caso volta às etapas iniciais para novas avaliações, uma vez que a informação foi corroborada pela Secretaria de Comunicação Social do tribunal.
O profissional argumentou ter prestado serviços à Uber durante parte do ano de 2021, mas enfrentou desligamento sem reconhecimento formal em sua carteira profissional. Para consolidar sua posição, apresentou dados e registros digitais de suas atividades, extraídos diretamente do sistema da Uber.
Contextualização do Julgamento
Antes de chegar ao TST, os argumentos do entregador já haviam sido analisados e rejeitados tanto na instância inicial quanto pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR).
Em ambas as instâncias, a interpretação dominante era a de que a associação estabelecida não denotava subordinação, mas sim uma parceria, em virtude da autonomia do entregador sobre seu expediente e volume de entregas, sem medo de represálias.
Contudo, o entregador insistiu na existência de penalizações veladas. Alegou que, ao optar por ficar offline no aplicativo, a Uber retaliava reduzindo suas oportunidades de serviço. Ele defendeu que a Uber, efetivamente, detinha o controle sobre os padrões e exigências das entregas, podendo, inclusive, desativar colaboradores que não cumprissem tais padrões, como foi seu caso.
Avaliação Detalhada no TST
No TST, a visão da desembargadora Margareth Rodrigues Costa trouxe um novo ângulo ao caso. Em sua análise, empresas operando através de plataformas digitais devem assumir responsabilidades trabalhistas adequadas.
Ela chamou atenção para a gestão por algoritmos, um fenômeno onde as ações dos colaboradores são influenciadas e, em certa medida, dirigidas por pontuações e sistemas de recompensa/punição. Esta gestão, segundo Margareth, pode ser vista como uma forma contemporânea e sutil de subordinação.
A desembargadora trouxe outros pontos de reflexão, como a prerrogativa unilateral da empresa de excluir prestadores da plataforma, a determinação da remuneração sem negociação direta entre prestador e cliente, e a avaliação e eventual penalização de prestadores com base em critérios da plataforma.
Reforçando seu posicionamento, Margareth ponderou sobre o papel do Judiciário em se adaptar e reinterpretar normas trabalhistas à luz dos novos modelos de negócios e desafios sociais, garantindo a proteção e dignidade dos trabalhadores.
Perspectivas Jurídicas
A decisão do TST trouxe consigo reações diversas no cenário jurídico. Ronan Leal Caldeira, uma voz ativa no direito trabalhista, demonstrou surpresa e esboçou críticas ao veredito. Apontou possíveis contradições e lembrou que a decisão confronta decisões anteriores e interpretações já estabelecidas.
Outras figuras jurídicas, como Cristina Buchignani e Daniela Nishimoto, também comentaram sobre o assunto, realçando o desafio que tais casos trazem para a doutrina jurídica e para o sistema judiciário. Ambas concordam sobre a urgência de se adaptar e talvez estabelecer novas legislações específicas para tais modalidades de trabalho.