Especialistas reavaliam prognósticos feitos no início do ano para dólar e Ibovespa. Ações do setor de commodity podem ser uma boa alternativa para o investidor, segundo especialistas.
O dólar disparou 2,9% ante real somente nos dois primeiros dias desta semana. A moeda americana subiu de R$ 5,11 na sexta-feira (12) para R$ 5,27 nesta terça-feira (16). Já o principal índice de ações do Brasil, o o Ibovespa, recuou 1,23% no período.
O índice foi dos 125.946 pontos registrados no último pregão da semana passada para 124.388 pontos no encerramento do pregão de ontem.
Segundo Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, o mercado está nervoso devido ao temor de uma manutenção prolongada das taxas de juros nos Estados Unidos em um patamar elevado. “Os dados do varejo vieram acima do esperado. Isso está provocando uma forte desvalorização das moedas emergentes por estresse no mercado financeiro”, explica Gala.
As vendas no varejo nos EUA subiram 0,7% em março ante fevereiro. Segundo o consenso reunido pela FactSet, o número ficou acima das estimativas dos analistas, que esperavam uma alta de 0,4%. Na avaliação de Gala, os resultados estão fazendo com que o mercado norte-americano precifique os juros longos a 4,7%, máxima desde outubro. “O mercado caminha para conclusão de que o tão sonhado início do corte de juros do Fed pode ser prorrogado novamente. Dessa vez, o corte começaria em setembro”, afirma.
Já Cristiane Quartaroli, economista do Ouribank, observa que os dados da China não ajudaram. Segundo Quartaroli, o Produto Interno Bruto chinês cresceu bem, com uma alta de 5,3% entre janeiro e março.
No entanto, os dados da indústria no mês de março mostram uma desaceleração ante os primeiros dois meses do ano. No mês passado, a produção industrial chinesa cresceu 4,5%, contra um avanço de 7% da média de janeiro e fevereiro.
“Esses números deixam o mercado financeiro ainda mais receoso, visto que a China é o nosso maior parceiro comercial e uma desaceleração da economia chinesa pode ter consequências ruins para o Brasil”, argumenta a economista.
Haddad e questão fiscal
Os analistas também comentam que o cenário fiscal brasileiro colabora para essa agitação do mercado. Ontem, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), modificou a meta fiscal de 2025 de superávit de 0,5% para déficit de 0%.
Segundo Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, o mercado acabou perdendo a confiança com a questão fiscal, que já estava sendo corroída desde o ano passado. “Eu já imaginava que o arcabouço fiscal encontraria dificuldades, visto que o governo não conseguiria subir a arrecadação como queria para zerar o déficit público”, afirma.
O economista comenta ainda que nunca acreditou no arcabouço fiscal e que sempre enxergou o projeto como uma resolução parcial da política fiscal do País, e não como uma solução final.
“Outro ponto é que o ministro Haddad sempre esteve sozinho nessa questão fiscal, ele não tem apoio do governo. E para fazer um bom projeto fiscal, é preciso que essa seja uma proposta do governo e não de apenas um ministro, algo que não aconteceu”, ressalta.
Cenário também muda para os juros
Além de dólar e Bolsa, os juros também estão passando por uma nova precificação por causa das recentes notícias, com o mercado estimando uma nova Selic. Vale afirma que ainda acredita em um corte de 0,5 ponto porcentual da Selic na próxima reunião do Copom, programada para os dias 7 e 8 de maio.
“No entanto, deve acontecer uma mudança na taxa Selic para o fim do ano. Minha estimativa era de uma Selic de 9,25% ao ano, mas acho difícil chegar nesse patamar por conta desses riscos econômicos. Vamos ter que mudar o cenário para até 10% ao ano”, salienta Vale.
Já Enrico Cozzolino, sócio e head da Levante Investimentos, afirma que o mercado está precificando um juro um pouco maior. “Hoje a curva de juros futuros aponta para uma Selic de 10,3% no final de 2024, o número é muito maior que os 9% precificados no começo do ano”, ressalta.
O que o investidor deve esperar de Bolsa e dólar?
Com as prováveis mudanças nos cortes de juros com a tensão gerada pelo Fed, China e ruídos políticos internos, os analistas dizem que o investidor deve esperar muita volatilidade.
Cristiane Quartaroli, economista do Ouribank, vê um cenário muito adverso e prefere não fazer nenhuma estimativa sobre o que o investidor deve esperar para o dólar. “Não há modelo que resista a todas essas incertezas. Hoje é difícil estimar quanto o dólar vai encerrar 2024 e qual é teto da moeda nesta atual instabilidade”, aponta a economista.
Felipe Corleta, sócio da GTF Capital, também diz acreditar que é muito difícil prever, mas ele ainda estima que o dólar dificilmente passe dos R$ 5,80. “Considerando-se fatores como balança comercial, autonomia do Banco Central e diferencial de juros, é difícil pensar em um dólar acima desse patamar”, argumenta Corleta.
Corleta diz ainda que se houver uma piora expressiva do cenário geopolítico, ou uma grande fuga de risco nos mercados internacionais no âmbito das eleições americanas, o câmbio tende a encerrar 2024 em R$5,20. “Ainda assim, é necessário lembrar que o governo precisa trabalhar para reaver a sua credibilidade na política fiscal para evitar a desvalorização do real”, reforça Corleta.
Já Paulo Gala, do Banco Master, comenta que o máximo de valorização para o dólar seria o patamar de R$ 5,50, considerando uma crise como a atual. “A balança comercial está boa, com superávit de minério e soja. Então, o que mais pesa sobre o dólar é a questão do juro americano. Os dados brasileiros, com exceção do quadro fiscal, são bons e servem para segurar a alta da moeda dos EUA ante o real”, esclarece o analista.
Sobre a Bolsa, os analistas estão cautelosos. Phil Soares, chefe de análise de ações da Órama, diz que vai colocar o seu preço-alvo de Ibovespa sobre revisão. “Acreditamos que essa redução na quantidade de corte de juros deve diminuir a alta do Ibovespa. Neste momento, esperamos que o índice encerre o ano em 150 mil pontos, mas vamos ter que revisar as estimativas para projetar um target compatível com a Selic mais elevada”, afirma o analista.
Por causa disso, o analista passa a recomendar empresas do setor de commodities, como petróleo e minério de ferro. “A Vale é uma empresa que pode ser interessante, visto que esperamos que o minério de ferro encerre 2024 a US$ 110 por tonelada, o que deve ajudar a empresa a pagar bons dividendos para o investidor”, afirma o analista.
Soares tem recomendação de compra para Vale com preço-alvo de R$ 90, potencial de alta de 45,2% na comparação com o fechamento de segunda-feira (15), quando o papel encerrou o pregão a R$ 61,99.
Outros dois ativos recomendados por Soares para enfrentar essa turbulência são PRIO (PRIO3) e Enauta (ENAT3). “Essas ações estão mais desconexas das questões Brasil e podem gerar lucros com a valorização do petróleo”, aponta Soares.
O analista recomenda compra para PRIO com preço-alvo de R$ 60, alta de 19,7% na comparação com o encerramento do pregão na segunda-feira (15). Já para Enauta, o preço-alvo é de R$ 37,50, um possível avanço de 36,5%. Ainda assim, todos os analistas pedem cautela para o investidor, pelo menos até esse momento raivoso do mercado se estabilizar.