A Boa Safra não passou ileso à crise das revendas agrícolas, mas adotou uma postura drástica para evitar a piora do risco de crédito entre os clientes do seu portfólio: o cancelamento das entregas.
“Observamos contrapartes com alavancagem piorando e sem boas garantias. Portanto, tive pouca segurança para prorrogar pagamentos, principalmente nos maiores grupos”, resumiu Felipe Marques, CFO da Boa Safra, em uma entrevista ao The AgriBiz.
Nos casos em que os clientes — geralmente revendas agrícolas — não possuíam dinheiro ou garantias suficientes para cumprir os pedidos, a empresa preferiu cancelar as vendas.
A estratégia de cancelamentos ajudou a reduzir a exposição da Boa Safra à Agrogalaxy. “Após a recuperação judicial, não teríamos segurança para entregar o que vendemos. Assim, houve uma redução no volume de vendas, de fato”, admitiu Marques, explicando os cancelamentos de entregas.
A situação das revendas fez com que a Boa Safra diminuísse a exposição a esse tipo de cliente. No ano anterior, as grandes revendas representavam 40% do total, uma participação que caiu para apenas 20% no terceiro trimestre deste ano — cujo balanço foi divulgado ontem à noite.
Ao reduzir a participação dos grandes clientes (como Agrogalaxy e Lavoro), a Boa Safra concentrou esforços para direcionar as vendas às revendas de pequeno e médio porte.
“A área plantada não irá diminuir. Quando um agente desaparece do mercado, ocorre uma redistribuição. Devemos ser ágeis para identificar quem está preenchendo essa lacuna e nos reposicionar”, argumentou o executivo.
A tarefa está longe de ser fácil. Marques admite que é complicado substituir 100% das encomendas feitas por grandes empresas, mas gradualmente a Boa Safra tem fortalecido relacionamentos para assegurar as vendas.
Atraso no plantio
No terceiro trimestre, o risco de crédito não foi o único fator que impactou os resultados da Boa Safra. O balanço também foi afetado pelo atraso das chuvas, que retardou o início do plantio de soja e acabou postergando parte das vendas de sementes para o quarto trimestre.
Como os clientes de qualquer empresa de sementes retiram o produto apenas quando as chuvas começam — até então, as sementes ficam armazenadas em câmaras frias —, o clima seco prejudicou o faturamento.
No terceiro trimestre, a receita líquida da Boa Safra atingiu R$ 727 milhões, uma queda de 26% em comparação ao ano anterior.
Para ilustrar os atrasos na receita e a possibilidade de recuperar as vendas no terceiro trimestre, a Boa Safra mencionou a carteira de pedidos a ser faturada no quarto trimestre, a qual é superior à do ano anterior.
“Apesar dos atrasos no faturamento, nossa carteira de pedidos alcançou R$ 699 milhões, o que nos coloca em posição para oportunidades significativas nos próximos meses”, declarou Marino Colpo, na mensagem que acompanha o balanço trimestral.
Escassez de sementes
Nesta safra 2024/25, o planejamento de beneficiamento de sementes da Boa Safra também foi prejudicado, algo já esperado devido aos reflexos do clima hostil da safra passada — quando as sementes comercializadas neste ano deveriam ter sido produzidas.
Neste momento, a Boa Safra espera comercializar 206 mil big bags de sementes de soja em 2025, um aumento de apenas 3% em relação aos 200 mil big bags vendidos no ano passado.
Operando no limite da capacidade instalada (que iniciou o ano em 240 mil big bags), a Boa Safra enfrentou dificuldades devido à menor disponibilidade de sementes de qualidade.
Na última safra, a área plantada com soja pelos parceiros da Boa Safra cresceu 57%, mas o clima afetou a produtividade e a qualidade do grão, que perdeu condições de ser comercializado como semente.
“Não é uma situação trágica, pois não houve redução no volume em relação ao ano passado, ao contrário de algumas empresas do mercado. O que enfrentamos é uma menor flexibilidade nas vendas devido à produção mais restrita”, explicou Marques.
Produtor mais cauteloso
Além da escassez de algumas variedades, a indústria de sementes se depara neste ano com produtores menos propensos a experimentar inovações e variedades mais caras.
“Quando o produtor tem margens mais apertadas, ele tende a evitar testar novidades. Este ano tem sido desafiador nesse aspecto, pois ele prefere seguir o ‘feijão com arroz’, onde há menos risco de erro”, afirmou Marques.
Apesar dos desafios de curto prazo, a Boa Safra mantém o otimismo em relação ao futuro da agricultura brasileira. “Isso não altera nossa trajetória”, ressaltou o executivo, mencionando o planejamento de produção de sementes para venda em 2025.
Nesta safra, a área de plantio dos parceiros da Boa Safra cresceu 12%, e a capacidade de beneficiamento de sementes para a próxima safra deve atingir 280 mil big bags, um aumento de 16% em relação à capacidade inicial deste ano. Com isso, a empresa deverá conseguir originar mais sementes para comercialização em 2025.
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Listada na bolsa com o ticker SOJA3, a Boa Safra está avaliada em R$ 1,6 bilhão. Em meio ao cenário mais desafiador para as indústrias de insumos agrícolas, as ações da empresa de sementes caíram 25% no acumulado do ano.