A escalada do dólar, a recente interrupção no corte de juros pelo Banco Central e a percepção de que o governo Lula (PT) terá dificuldade em ajustar as contas públicas ameaçam interromper a retomada dos investimentos verificada nos últimos meses.
Após aumento da taxa de investimentos no primeiro trimestre, sobretudo pela importação de máquinas e equipamentos em um ambiente até então de dólar estável, há sinais de perda de ímpeto nesta tendência, segundo sondagens e especialistas da área.
Depois de três trimestres de queda no ano passado na chamada FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) —que engloba máquinas e equipamentos, construção civil e outros ativos fixos—, o indicador apresentou alta de 2,7% nos primeiros três meses de 2024, na comparação com igual período de 2023.
Dados do Icomex (Indicador de Comércio Exterior) da FGV-Ibre, mostram crescimento de 15,5% no volume importado pela indústria de transformação entre janeiro e maio, em relação a igual período de 2023.
Mas, segundo Lia Vals, pesquisadora associada da FGV-Ibre e responsável pelo Icomex, embora esse resultado sinalize uma perspectiva favorável para os investimentos, “o atual cenário de alta volatilidade cambial não favorece novos planos, podendo ameaçar a manutenção dessa tendência”.
“Tivemos um começo de ano otimista, mas isso se reverteu, com muita instabilidade e a alta do dólar”, diz Vals. Segundo ela, como a base de comparação de 2023 para investimentos é baixa, é possível que haja um resultado melhor neste ano, mas nada significativo.
Vals afirma que mesmo que haja novos investimentos em implementos no agronegócio, isso não será suficiente para ampliar a taxa geral, pelo fato de o setor ter participação limitada na economia como um todo.
“O que importa mesmo é o investimento das indústrias, e será difícil sustentá-lo com o dólar caro e sem muita visibilidade sobre o que acontecerá nas contas públicas”, afirma.
Ela ressalta que o setor estatal também não indicou, por enquanto, grandes aportes na infraestrutura —que tenderiam a puxar outros setores.
Linha de produção de fabricante de chuveiros na zona leste de São Paulo. – Karime Xavier/Karime Xavier/Folhapress- 30.set.2022
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento, a FBCF teve alta média de 5,9% até abril (sobre igual período em 2023), com destaque para o aumento de 11,9% na compra de máquinas e equipamentos por indústrias e empresas.
Para Leonardo Mello de Carvalho, técnico de Planejamento e Pesquisas do Ipea, a “parte boa” é que a demanda doméstica vinha puxando o consumo de bens duráveis, os investimentos e as importações.
“Mas existem fatores que podem afetar negativamente os investimentos, como a crise no Rio Grande do Sul, a alta do dólar e a Selic”, agora estacionada em 10,5%
Na terça (18), o presidente de BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), afirmou que houve redução no ritmo de consultas para financiamentos da instituição em maio. Segundo ele, a perda de fôlego pode estar relacionada a “ruídos” políticos e fiscais.
“Tivemos crescimento muito grande nos primeiros quatro meses em consultas e de mais de 90% das aprovações no período. Mas observamos redução de consultas em maio, quando o ruído cresceu muito”, afirmou.
“Tem alguma coisa que gerou uma expectativa, uma reversão de otimismo que víamos no fim do ano passado e no início deste ano. Vai passar, mas teve.”
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Em 29 de dezembro de 2023, o dólar utilizado nas importações de máquinas e equipamentos era cotado a R$ 4,86. De lá para cá, subiu cerca de 12%, encarecendo o custo dessas aquisições pela indústria de transformação e de implementos agrícolas importados.
Em relatório da consultoria BRGC, o economista Livio Ribeiro estimou que a maior parte da valorização do dólar frente o real deve-se a fatores domésticos, como a política econômica do governo Lula e a falta de perspectiva para um ajuste fiscal.
“Uma decomposição pelos fundamentos sugere que as questões locais têm tido importância cada vez maior, sendo, inclusive, o fator determinante nas últimas semanas”, afirma Ribeiro. “Isso explica quase 90% da elevação da taxa de câmbio [a partir do patamar de US$ 4,86 do fim de 2023].”
Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, a melhora de vários indicadores econômicos no primeiro trimestre deste ano —inclusive nos investimentos— “não deve ser considerada como tendência”.
“Entre janeiro e março, tivemos injeção de recursos na economia com o pagamento de precatórios, perspectiva de queda nos juros [que agora se frustra] e aumento do crédito”, diz.
Por conta desses fatores, o setor de serviços avançou 1,4%, e o de comércio varejista, 3%, ante o quarto trimestre de 2023. “Mas são pontos que não vão se repetir.”
Vale afirma que os investimentos respondem antecipadamente a tendências econômicas de longo prazo, e que elas se deterioraram. Ele projeta crescimento de 2,2% no PIB deste ano, mas diz que a expectativa de alta de 2,5% para os investimentos pode ser revista para baixo.
A indústria de transformação, um dos principais destinos dessas máquinas e equipamentos, por exemplo, recuou 0,5% em abril na comparação com março, interrompendo dois meses de resultados positivos.
Segundo Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro da FGV-Ibre, a indústria também importa boa parte dos insumos para produzir.
Com o dólar mais caro, a tendência será de redução da atividade. Ela ressalta que o fim do ciclo de corte nos juros também terá impacto sobre o crédito ao consumo e à compra de máquinas e equipamentos.
“Com os juros no patamar atual, o retorno dos investimentos fica muito complicado. Por que as empresas investiriam?”, questiona.
Com a Selic agora estacionada em 10,5% ao ano, o juro real atual (descontada a inflação) proporciona rendimento anual de quase 7% a um capital que poderia ser empregado na produção.
Apesar da melhora recente, a taxa de investimentos do país em relação ao PIB fechou o primeiro trimestre em 16,9%, segundo o IBGE.
O nível é considerado insuficiente até para compensar a depreciação e desgaste de máquinas e equipamentos, sobretudo na indústria, e assegurar um crescimento sustentável, sem pressões inflacionárias pela via do consumo.