A partir desta segunda-feira (20), o Google passará a responder com um resumo gerado por Inteligência Artificial (IA) às buscas dos usuários americanos. Este recurso é chamado de Visão de IA, algo como um resumo de IA.
Este texto gerado pela IA Gemini, o ChatGPT do Google, será o primeiro resultado e estará acompanhado de dois ou três links de referência. No entanto, o material de divulgação não explica qual critério será utilizado para escolher os sites mais relevantes.
Pesquisadores consultados pela reportagem afirmam que a mudança no mecanismo de busca mais utilizado na internet pode resultar em um empobrecimento significativo da diversidade da rede.
A Visão de IA pode diminuir os cliques em outros links ou páginas da internet, uma vez que a ferramenta tem o propósito de buscar os principais pontos dos artigos espalhados pela internet, conforme mencionado pelo cientista-chefe do Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, Ronaldo Lemos.
Isso pode impactar os veículos jornalísticos, pois, na lógica da publicidade digital, os cliques geram parte da receita que financia a produção de conteúdo.
O professor de economia da Universidade de Houston, Haaris Mateem, que estuda o financiamento da mídia na internet, critica a prática do Google de “pegar só o creme” (cream-skimming, em inglês) – uma tática comercial para restringir o acesso à parte mais lucrativa de um setor econômico.
“Isso reduz ainda mais as chances de um criador ganhar dinheiro com os artigos ou vídeos que produz”, afirma Mateem.
Caso a ferramenta de IA seja bem-sucedida, existe a possibilidade de o conteúdo gerado pelo Google se tornar a principal fonte de informação para os 4,3 bilhões de usuários espalhados pelo mundo que utilizam o mecanismo de busca – dados da plataforma de medição de audiência na internet Semrush indicam que o Google controla 92% do mercado de buscas.
Dessa forma, o tráfego da internet pode acabar sendo amplamente direcionado pelo próprio Google, conforme aponta Lemos.
“Há uma preocupação de que isso crie uma espécie de monocultura na rede: a empresa não seria mais apenas um mecanismo de busca que envia tráfego e cliques para outros lugares, mas sim o destino final e único de todas as buscas por informação, alimentadas pelo próprio site.
“Desvendando a IA – Um guia do New York Times em formato de newsletter para você entender como a IA funciona Carregando…”Essa é, talvez, a ameaça mais séria à sustentabilidade do jornalismo”, afirma o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech.
Atualmente, jornais, blogs e sites têm no Google uma das principais fontes de audiência, por meio do redirecionamento de buscas, e adotam estratégias para aparecer no topo da lista de links fornecida pelo buscador.
Em um teste realizado pela Folha, a IA na busca do Google citou integralmente trechos de reportagens protegidas por paywall (barreira para proteger artigos pagos na internet). A empresa de tecnologia afirma incluir o endereço do autor na web e respeitar os direitos autorais.
De acordo com o material de divulgação do Google, “os links incluídos nos resumos gerados com IA recebem mais cliques do que se a página fosse exibida como um resultado de busca tradicional para a mesma consulta”.
No entanto, a empresa não divulgou os dados que fundamentam essa informação nem estudos sobre os testes realizados com IA na busca, conduzidos entre outubro e maio.
Para a professora Anya Schiffrin, diretora de tecnologia, mídia e comunicações da Universidade Columbia em Nova York, as gigantes da tecnologia, como o Google, se beneficiam do controle que possuem sobre os dados para obter vantagens no mercado e, por isso, não compartilham informações.
“Dessa forma, os criadores enfrentam dificuldades para obter uma remuneração justa de empresas como Google e Meta (proprietária do Facebook e Instagram).
“A INTERNET APRESENTA SINAIS DE PIORAA disputa por espaço na internet entre humanos e máquinas não é algo recente.
Em 2022, 47,4% de todo o tráfego na rede já era gerado por robôs que circulam em redes sociais com os mais variados objetivos. Isso inclui visualizações em postagens nas redes sociais.
Esses números representaram um aumento de 5,1% em relação ao ano anterior, de acordo com a empresa de cibersegurança Imperva, que monitora a presença de bots na internet. Dentre todo o tráfego, 30,2% provêm de robôs maliciosos, cujo propósito é roubar dados, criar spam (mensagens enganosas) ou sobrecarregar servidores.
A presença de seres humanos na rede tende a diminuir ainda mais com a competição por espaço com o conteúdo gerado por inteligência artificial. Um estudo do Instituto de Estudos do Futuro de Copenhague, divulgado por Lemos, prevê que 99% do conteúdo postado na internet nos próximos cinco anos será gerado por inteligência artificial.
Uma parte dos textos, áudios e imagens gerados por IA é utilizada para disseminar desinformação, como no caso dos esforços para influenciar eleições na Eslováquia ou impulsionar práticas comerciais abusivas, como inundar a Amazon com guias turísticos inúteis criados por IA.
Ao buscar no Google a expressão “como um modelo de IA, não”, é possível encontrar centenas de textos gerados por inteligência artificial. Este trecho é padrão na resposta fornecida pelo ChatGPT quando solicitado a gerar textos sobre questões polêmicas ou que envolvem crimes.
A falta de edição humana faz com que frases sem sentido cheguem às publicações finais.Além disso, mesmo as informações geradas por IA com boas intenções não são totalmente confiáveis, como alertam avisos presentes nas páginas do Google e da OpenAI.
Durante o anúncio do AI Overviews, o Gemini deu uma instrução incorreta para o protagonista do anúncio que perguntou como consertar uma câmera analógica com alavanca travada.
Uma das sugestões da plataforma foi “abrir o compartimento traseiro do aparelho e remover o filme gentilmente”, o que poderia expor o filme à luz e danificar todas as fotos capturadas, conforme apontado pelo site especializado em tecnologia The Verge.
Essa sugestão foi destacada pelo Google na apresentação.Uma sugestão em inglês, destacada durante a apresentação do Google, instruiu o usuário a abrir o compartimento do filme, o que danificaria as fotos tiradas.
O mesmo Google que deseja incluir mais informações geradas por IA nas redes, mencionou no mês anterior que está tomando medidas contra conteúdos que “parecem criados para [enganar] os mecanismos de busca, em vez de para pessoas”. O objetivo é melhorar os resultados.